quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A despedida



Injustiçada, muitos chamam a despedida de desagradável. Chamam-na de inconveniente, embaraçosa, momento inevitável – como se merecesse ser evitada, rejeitada. Alguns até evitam seu momento dizendo palavras breves ou retirando o adeus de seu vocabulário. Neste momento, por outro lado, gostaria de dar uma chance à despedida para que se explique.

Os que lhe incriminam dizem que, seja em bons ou maus momentos, ela sempre leva consigo a ausência, encerrando apegos e pessoas em memórias saudosistas. E aí o perigo daquilo que se cultivara na memória transformar-se de alegrias em luto. Aqueles que já se envolveram em alguma coisa devem conhecer a dor constante do encerramento de um projeto, sonho ou relacionamento no qual investira tanto tempo e esforço para fazer acontecer sem que esses tivessem expectativas de um futuro. A forma brusca como se encerram sonhos que se vive é lancinante, pois arranca de nós uma parte que ainda vivia pulsante em nossas mentes e corações. E o vazio deixado pela sua ausência traz dor ao corpo que sofreu sua perda.

Ainda assim, a ausência é a oportunidade de coisas novas ocuparem espaços acomodados. Note o vácuo. Quanto menos matéria o preenche, mais força ele possui para atrair novas partículas. E essa atração é tão imponente que suspende toneladas de vidro no céu durante a construção de arranha-céus. Do vazio deixado pelo ar, surgem magníficas vidraças que pairam com incomparável leveza. Do ar ao vazio. De rochas, pela areia, ao vidro. Muito deixou de ser para que novas obras fossem possíveis. 

Ainda que dolorosa, a despedida é imprescindível para a construção de sonhos melhores e mais surpreendentes. Embora despedir-se implique em abrir mão de uma parte vital de sua história, sem a despedida não há espaço disponível para que novas experiências e ideias germinem. O fim do campeonato precisa existir para que alguém ganhe o troféu. O fim da paixão precisa acontecer para que surja o amor. E o fim do sonho precisa ocorrer para que as necessidades que não param de surgir sejam supridas por olhos e mentes agora livres para lhes dar atenção. 

A despedida revigora os ânimos para que novos espíritos de combate tomem o lugar das desilusões anteriores. Ela não desvaloriza o passado, mas renova as expectativas de um futuro bom para o presente. Se usada devidamente, traz a certeza de arranha-céus onde antes só havia areia e vazios.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O tempo da beleza

A beleza dói. Ela incomoda, irrita, atormenta. Chega a torturar como um parto sofrido para nascer. E não lhe entenda como um ser que por capricho se faz de difícil para aparecer. A beleza não tem consciência. Carrega consigo apenas flores. Flores cujo desabrochar expressa a forma como cada um cultiva a vida.

Para cultivar a vida, as pessoas regam-na com o tempo. Tempo que se investe em ideias e sonhos. Muitas ideias tornam-se sonhos. Alguns então colocam esses sonhos em solo fértil e passam a regá-lo. A seguir, outros pacientemente acompanham seu desenvolvimento e crescimento – sempre os regando –, para, finalmente, alguns poucos persistentes conseguirem vislumbrar brotos, sépalas e pétalas. É um processo que demanda tempo suficiente, assim como qualquer planta depende da água em abundância para ser completa. Comparação recíproca para os gostos da vida. Se não houver tempo suficiente regando os momentos que se quer cultivar, jamais a beleza brotará de nossos sonhos.

A única dificuldade desse processo – não que por ser única a dificuldade deixe de ser difícil – é que tempo exige tempo. E poucos jardineiros conseguem dispor de parte de seu tempo para cultivar suas flores. Maldito o dia que inventaram o relógio! Quantificaram a vida que não pode ser medida e muitos dos que antes cultivavam passaram a acreditar que não cultivavam o suficiente se tivessem que regar tanto suas flores.

A crença na loucura das horas limitou o dia a vinte e quatro horas, trezentos e sessenta e cinco dias ou um ano. Logo, o passar frenético dessas unidades passaram a ditar o quanto de tempo poderíamos gastar com cada sonho plantado. Não se pode mais gastar muito do tempo num sonho apenas, pois as horas me mostraram que ele é limitado e gastá-lo inteiramente num só empreendimento é imprudência, insanidade, além de ser mais fácil diluir os esforços e dores do cultivo com essa tal máquina do tempo. Melhor é mecanizar e agilizar a produção de sonhos para que se possa ter uma reserva de tempo num depósito para a velhice, onde poderá guardar seu porquinho de moedas com reservas de câmbios ultrapassados e inúteis, quando o tempo não poderá ser investido noutra coisa senão em amargurar feitos não realizados. Passou-se a prezar infindáveis ideias feias e incompletas em detrimento de um único, mas belo, sonho desabrochado.

Assim a beleza tem sumido não por ter deixado de ser desejada, mas por não ser mais regada com tempo suficiente. E sem a beleza, de nada vale o tempo de nossas vidas.

N.S.A.

06/09/2011

Eu.

Minha foto
Natanael Adiwardana
Ver meu perfil completo

Estão me seguindo